terça-feira, 29 de outubro de 2013

Homens que 'caminham sobre as ondas do mar' são atração no litoral de SP 


Foto dos irmãos Paioli, com Zé (à esquerda) com uma prancha lendária da década de 60, e o irmão Chico, que protagonizou uma campanha de TV Paulo Anshowinhas/UOL



O título parece exagerado, mas foi essa a manchete publicada pelo "Jornal da Tarde", em 1966, ao anunciar a "novidade" apresentada pelos irmãos José e Francisco Paioli nas praias de Santos: o surfe.

Muita coisa mudou em 47 anos, mas a simples presença dessa dupla de lendas vivas do surfe nacional na etapa decisiva do SP Contest 2013, realizado no último fim de semana na praia de Juquehy, no litoral norte de São Paulo, foi o suficiente para torná-los a grande atração da competição.

José Paioli, 64, e Francisco, 62, participaram da categoria longboard - pranchas acima de três metros de comprimento – do evento válido pelo Festival Paulistano de Surfe, onde participam exclusivamente surfistas moradores na capital de São Paulo.

Além da dupla lendária, 120 participantes enfrentaram os 156 km que separam a capital da praia em busca de diversão e premiação em viagens para o Peru, divididos em sete categorias.

Mas, além de um dia bonito, sol forte, ondas e desfile de candidatas a garota Sexy "causarem" na areia,  para os irmãos Paioli é que se voltavam as atenções, principalmente para o mais velho, Zé, que levou para praia uma prancha lendária 'shapeada' por ele mesmo na década de 60. Segundo ele, trata-se da segunda prancha produzida no Brasil.

Zé e Chico, como são conhecidos os irmãos Paioli, falaram ao UOL Esporte sobre pranchas de madeira, capotamentos com Fuscas, "tripas" de cordinhas e skates com rodas de metal na seguinte entrevista:

UOL Esporte: Como eram as pranchas de surfe na década de 60 no Brasil?

Zé Paioli: No começo nós fazíamos pranchas de madeira de cerca de 2 metros – nós nem usávamos a medida de comprimento em pés – só depois que surgiu a massa epoxy (para revestir as pranchas de espuma e fibra de vidro) os tamanhos foram aumentando. Essa minha prancha (mostra o exemplar ainda em bom estado de conservação), deve ter sido uma das primeiras pranchas shapeadas (moldadas a mão) no Brasil.

UOL Esporte: Como era a cena do surfe nessa época?

Zé Paioli: Era surfe selvagem. Quem era de Santos tinha atrito até pra surfar no Guarujá com seus surfistas locais, e cada praia já tinha "dono". Voce ia surfar e os caras te 'rabeavam', sempre rolavam brigas. Era pouco espaço para muita gente. Prevalecia a lei do vale tudo, não havia prioridade, não havia respeito. Mesmo assim em 1967 rolou o primeiro Campeonato Paulista na praia das Pitangueiras, no Guarujá, com show ao vivo do cantor americano Chris Montez, em clima de jovem guarda ao som de "The More I See You".

UOL Esporte: Em tempo de ditadura não havia restrições aos hábitos e costumes dos surfistas? Como era o visual da galera?

Chico Paioli: Fumar e beber era proibido para menores e era tempo de Beatles e de Woodstock, que trouxe o lema "sexo, drogas e rock and roll". Todos nós éramos cabeludos, e para comprar uma prancha ou um carro a nossa mãe falava: "vai no barbeiro, corta o cabelo e fala com o seu pai".

UOL Esporte: Surfar numa época que poucos faziam isso não parecia algo de outro mundo?

Chico Paioli: Para você ter uma idéia, em 1966, não havia uma técnica de fotografia para o surfe, e as fotos pareciam que a gente deslizava no mar, e por isso fizeram uma matéria conosco no saudoso "Jornal da Tarde" com a manchete: "os homens que caminhavam sobre as ondas do mar". Voce não acha que era demais?

UOL Esporte: E como vocês viajavam e levavam suas pranchas?

Zé Paioli: No tempo de DKW, Aero Willys,  a gente só surfava nas férias. Nós tínhamos um Fusca 68 verde limão que nós dividíamos e levávamos as pranchas. Um lavava e outro usava. Um dia eu vi um risco no pneu do lado direito e já estava ficando bravo, quando fui ver do outro lado o carro estava todo amassado, porque meu irmão havia capotado o carro e não me falou nada.

UOL Esporte: As pranchas daquele tempo eram muito parecidas com as atuais?

Chico Paioli: Mais ou menos. Ninguém tinha inventado as cordinhas ainda, ou você nadava muito bem, ou morria afogado. As primeiras cordinhas eram feitas de uma 'tripa' (emborrachada por fora com fio de nylon por dentro) que não esticava, e quando voltava ia direto para cabeça (ria).

UOL Esporte: Além do surfe vocês praticavam algum outro esporte?
Chico Paioli: Em 1967, nós morávamos em Moema, na rua Gaivota, e na vontade de surfar, quebramos dois pares de patins, fizemos duas pranchas de madeira, e colocamos os eixos e as rodas de metal para montar nosso primeiro skate. Um para cada um. Os skate não tinham nenhuma estabilidade e a gente sempre caía. Mas ao menos matava a vontade de surfar, porque era algo bem parecido. Hoje eu gostaria de andar de skate longboard. E sei que é só começar.

O jornalista Paulo Anshowinhas viajou a Juquehy a convite da Associação de Surfe da Grande São Paulo


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